quinta-feira, 11 de julho de 2013

Especial Hermínio Miranda: Entrevista a Revista Universo Espírita

por Ana Carolina Coutinho (2012)


O sr. escreveu um livro que é considerado um guia da prática mediúnica, Diversidade dos Carismas, o que é mediunidade, Herminio? 
Ah! Se eu soubesse, eu diria (rs). A definição é simples, é a que está em O Livro dos Espíritos: “O médium é o intermediário entre um mundo e outro, entre uma face da vida e outra, entre uma dimensão e outra”. Agora, há uma variedade tão grande de recursos mediúnicos... Em Diversidade de Carismas fiz uma tentativa de dizer o que eu entendia, mais ou menos, sobre mediunidade, quando me pediram esse livro – foram até as entidades mesmo que me pediram – eu disse: “Mas o que é que vou falar sobre mediunidade, já está tudo falado...” Mas aí comecei a estudar e vi que ainda tinha muita coisa para dizer. Não tenho a pretensão de afirmar que esgotei o assunto, de forma alguma. Ainda tem muita coisa que aprender sobre mediunidade. O caso do Luciano dos Anjos [protagonista de Eu sou Camille Desmoulins], por exemplo, nele é uma faculdade animista, é o espírito dele dizendo o que está acontecendo, o que viu no passado. Mediunidade é tão difícil de definir quanto o tempo. Até hoje não sei defini-lo e não tenho a pretensão de fazê-lo tão cedo. Acho que só quando eu estiver fora dele é que vou entendê-lo. 

Nossos Filhos são Espíritos é um dos livros mais vendidos da literatura espírita, chegando a mais de 250 mil exemplares. Ao quê o sr. credita esse sucesso? 
Faço todos os meus livros com muita emoção. Envolvo-me demais naquela atmosfera. Uma vez conheci o Érico Veríssimo lá nos Estados Unidos e disse-lhe que o meu preferido dele era o Olhai os Lírios do Campo, uma obra lírica, muito bonita, eu lhe disse que esse livro tinha carga emocional muito grande e ele confirmou minha afirmação. Então, acho que isso se aplica no meu caso, ao Nosso Filhos São Espíritos. Coloquei nele todo o meu coração e não procurei me dirigir aos espíritas especificamente; sempre achei, desde que comecei a escrever, que nós, do meio espírita, tínhamos que escrever também visando o público não espírita. Porque o não espírita não pega para ler O Livro dos Médiuns, dos Espíritos, de Emmanuel; raramente lê os de André Luiz, e quando o faz é como romance e não como obra didática que é. Então, chegou a um ponto em que eu tinha de dizer as coisas, a minha experiência pessoal, como se eu tivesse conversando, contando as emoções do nascimento de minha primeira filha, se aparecerem fenômenos mediúnicos na criança como ela deve ser tratada, etc. Então, uma pessoa que não pega um livro espírita para ler, pega Nosso Filhos São Espíritos; Autismo também. Um livro com este tema interessa a muita gente que não é espírita. Claro que há uma visão espírita e não faço segredo disso. “Você não acredita? Tudo bem”. Não é nem problema de fé. Reencarnação não é uma questão de você acreditar ou não, é a Lei. Tanto faz. Você já reencarnou e ainda vai reencarnar. 

As quais conclusões chegou após pesquisar sobre o autismo? 
O autismo é um problema muito interessante. Muito curioso. Às vezes, uma pequena frase que você lê num livro lhe desperta um mundo interior de coisas. Eu estava lendo um livro que a médica, uma psicóloga de vanguarda que começou a fazer experiência de regressão com muita competência, disse que o autismo era uma rejeição à reencarnação. Essa frase acendeu uma luzinha na minha cabeça. Se é uma rejeição da reencarnação, isso faz sentido, por que a pessoa se reencarna e não quer participar, interagir com ninguém. O autismo é uma síndrome extramente complexa e muito difícil de entender se não se levar em conta o mundo espiritual. Por que crianças sadias, perfeitas, lindas, não interagem? Geralmente ocorre tudo bem até os dois, três, primeiros anos e, de repente, ela para de falar e começa a se isolar; é um drama terrível. Aí comecei a comprar livros; queria saber. Só depois de muita leitura, muita meditação, decidi escrever. Autismo é um livro muito lido fora do meio espírita. Acho que o autista não é uma pessoa perturbada, nem um doente mental, é apenas uma pessoa que tem um conflito qualquer, precisa ser entendida como ela é. Você não pode arrastá-la para o seu mundo. Afinal, o que é ser normal? Para o autista o normal é aquilo. No livro procurei dar essa visão de que a criança está diferente porque ela tem uma outra visão da vida e precisa ser respeitada. A nossa “normalidade” é a única possível? De jeito nenhum. 

Houve algum livro que lhe deu maior prazer na execução de sua tradução? 
A História Triste [no prelo]. É um livro raríssimo, discutidíssimo. Foi psicografado por uma médium americana e a entidade que se apresentou a ela se dizia uma mulher nascida na Inglaterra que migrou para os Estados Unidos no século 17. Este livro tem uma linguagem impressionante, antiga, arcaica, com estilo similar à 
época de Shakespeare. Deu um trabalho... Mas em todo caso, foi um livro que traduzi com prazer. Quando ele foi lançado [na segunda década do século 20], o fenômeno interessou a jornalistas, pensadores, cientistas, filósofos. A jovem senhora, casada, que escreveu, não tinha a mínima condição para fazê-lo. A história se passa na Palestina, do dia em que Cristo nasceu até quando ele foi crucificado. Levei dois anos trabalhando nele. A autora espiritual viveu lá. Conhece a história, a geografia, a política, a religião, o costume daqueles povos. Sabe de tudo. Tem um respeito e uma admiração incrível pelo Cristo. Ele teria sido uma escrava levada da Grécia pelos romanos, e César a deu de presente ao Tibérius – futuro imperador. Ela era uma mulher lindíssima, mas engravidou. Tibérius não queria complicação, pois já sabia que iria suceder Augusto no trono, então pediu que seus soldados sumissem com ela no mundo. E ela saiu pelo mundo afora e acabou na Palestina. Seu filho nasceu nas proximidades de Belém na mesma noite em que nasceu Jesus. O filho dela é terrível, se transformou num criminoso. Então, dá-se o contraste entre o Cristo, a luz, e ele, a sombra. Ela conta coisas inacreditáveis da época. Uma história muito bonita que despertou o grande interesse pela competência literária, mas o povo não estava preparado para aceitar a história fantástica que tinha por trás daquilo tudo. Esse livro me causou muita emoção. Envolveu-me muito com aqueles tempos também. 

Você escreveu um livro sobre os “hereges” cátaros. O que foi o Catarismo? 
Foi o Espiritismo do século 13. Era uma doutrina que tentava recuperar o Cristianismo primitivo. Eles tinham uma filosofia muito bonita. Era o Espiritismo puro. Foi uma pena o Cristianismo ter perdido aquela oportunidade de se refazer. 
Qual foi a fonte que eles utilizaram para recuperar os verdadeiros ensinamentos de Jesus? 
Eles vieram programados para isso. O Cristianismo começou a se desviar do que o Cristo pregou logo no principio, no fim do 1º século, quando começaram a inventar dogmas. A Dra. Elaine Pagels, que escreveu um livro sobre os Evangelhos Gnósticos, diz que o Cristianismo começou a mudar – e estou de acordo com ela – quando optou pelo poder terreno. Eles queriam o Cristianismo quantitativo e não qualitativo – uma expressão genial dela –, pois assim eles queriam uma Igreja que arrebanhasse gente e aí se inventou um monte de coisa, que Cristo era Deus, o Natal para comemorar o nascimento... Cristo não nasceu no dia 25 de dezembro, isso foi uma adaptação da Igreja para que conseguisse arrebanhar aqueles que comemoravam as festas pagãs. Cristo não fundou uma Igreja. Lamento dizer essas coisas, mas já fui herege tantas vezes que mais uma não tem diferença. Ele pregou uma doutrina de comportamento: como é que você deve se portar perante a vida, o seu semelhante, perante Deus, perante você mesmo. Cristo nunca pregou ritual nenhum; ao contrário, ritual por ritual, fizesse o que faziam os judeus da época. Ele não queria convencer ninguém a ser cristão. Ele não era cristão. O Cristianismo foi uma coisa posterior, a questão dos santos, por exemplo, veio para substituir os deuses do politeísmo. Bom, realmente a Igreja teve um grande sucesso na parte de quantidade, já na de qualidade subverteu. Então, entre o 3º e 4º séculos surgiu o gnosticismo, que, na verdade, não surgiu, ressurgiu. 

O que é o gnosticismo? 
Ele ensina idéias, que são coisas religiosas, como reencarnação, imortalidade, preexistência, comunicabilidade dos Espíritos. Essas idéias precisam fazer parte de qualquer religião que se preze. Não se pode ter religião fora disso, pois como dá para entender um Deus injusto que cria pessoas saudáveis e outras não? Como dizia Santo Agostinho, ou Ele não sabia o que estava fazendo ou então Ele é muito mal. Criar um sujeito para ir para o inferno?! Essas são as coisas que questiono. Estes conceitos fundamentais – reencarnação, imortalidade, etc. – aparecem, em primeiro lugar, em Jesus. Em segundo lugar, nos gnósticos, que não era uma religião, mas uma filosofia. A palavra gnosticismo quer dizer conhecimento, uma busca do conhecimento, não importa se religioso ou não. Os neoplatônicos [corrente filosófica do 3º século] também lidavam com essas idéias. O gnosticismo passou a ser, no tempo dos neoplatônicos um tipo de filosofia. Oferece a salvação pelo conhecimento, pelo progresso espiritual, pela ampliação da observação que dá para se fazer sobre o mundo. Nesse sentido, os gnósticos tentaram reverter o Cristianismo, e foram excluídos sumariamente. Mas não foi com violência. Os gnósticos não se juntaram à Igreja, eles pegaram de Jesus aquilo que fazia sentido para eles: as vidas sucessivas, a comunicação dos Espíritos, essas coisas. Falhou o gnosticismo. 

Foi uma tentativa de resgatar os verdadeiros ensinamentos de Jesus, né? Neste sentido vieram outras tentativas posteriores? 

No século 7, conforme conta Emmanuel, Maomé veio para cá com o projeto de recomeçar todo o Cristianismo. Nasceu numa tribo que não tinha muita ligação com o mundo, tudo para recomeçar a pregação de Jesus. Segundo diz Emmanuel, Maomé se desviou dessa missão. Então veio o Islamismo, que é uma religião muito respeitável. Eu não tenho nenhuma restrição, absolutamente. Essa foi uma outra alternativa. Veio, então, o catarismo. Começou no ano 1000. Tenho um palpite que começou como programação para encontrar qual a melhor maneira de apresentar aquela filosofia dos gnósticos sem combater as religiões institucionalizadas. Enfim, os mesmos conceitos sempre ressurgem. Por causa de alguma perseguição metem eles debaixo da terra, daqui a pouco eles aparecem lá na frente. 

Após o catarismo veio a Reforma. Ela também foi uma tentativa para a retomada do verdadeiro Cristianismo? 
Sim, e isso quem diz é o próprio Emmanuel. No livro A Caminho da Luz ele conta que o mundo espiritual estava muito preocupado em ver como o Cristianismo estava mal interpretado e que isso precisava mudar. Então, ele cita uma turma que veio para cá para esse recomeço: Lutero, Calvino, entre outros. Para recomeçar, pelo Evangelho do Cristo. Era preciso voltar àqueles tempos e recomeçar. Mas não deu certo de novo. Lutero pregou suas teses na porta da Igreja. Ele era sensacional e tinha todos os recursos. Inclusive, achei que ele era a encarnação de Paulo. Não quero convencer o leitor; mas são tantas coincidências (digo que coincidência é um dos pseudônimos de Deus, quando Ele não quer assinar). Lutero veio com esse propósito, mas depois acabou se envolvendo em outras coisas... A Reforma não foi suficientemente reformista. Também começaram a se separar em seitas; uns acreditavam numa coisa, outros noutra. Ficaram ainda lidando com o problema da fé; mas não mudaram nada na substância do Cristianismo, foi muito pouco. E hoje ainda estamos vemos isso aí, né? O Cristianismo cada vez mais perdido. 

Depois veio o Espiritismo? 
Aí, desta vez, foi planejado tudo de maneira diferente. O próprio Jesus foi a liderança principal do movimento. Tinha de ser. Muita gente ainda tem dúvida se o Espírito de Verdade é o próprio Cristo. É. Aquela comunicação do Espírito de Verdade a Kardec: “Espíritas, amai-vos (...). Instruí-vos (...)”, figura em O Livro dos Médiuns assinada por Jesus e aparece também em O Evangelho Segundo o Espiritismo, com ligeiras modificações de redação, assinada como Jesus. Então o próprio Cristo resolveu retomar o assunto. Ele disse que estaria à disposição do Kardec durante 15 minutos, se não me engano, por semana, para responder as dúvidas dele. Revelou a Kardec, mas Kardec mesmo não disse, pois lhe respeitou o desejo, que queria mesmo ficar como Espírito de Verdade. 

Da mesma forma que planejou movimentos para o resgate do verdadeiro Cristianismo, como o sr. acha que a espiritualidade está fazendo isso atualmente? 
Em todos os tempos a espiritualidade passa o recado para nós. A visão de Fátima, por exemplo, foi uma coisa dramática, não tem como negar; assim como a de Guadalupe. É a espiritualidade chamando nossa atenção. Recentemente me perguntaram se eu acreditava numa reunião entre as diversas crenças, eu disse que não, pois é uma guerra de poder e todas precisariam ceder um pouco; deixar de ser o que são, enfim. Criar uma concepção nova. E é ela que o Espiritismo vem trazer. Mas não é uma peculiaridade do Espiritismo, existe e vem há milhares e milhares de anos. São conceitos que os sacerdotes egípcios sabiam de cor e salteado, pois a religião egípcia tinha sua parte iniciática e tinha a versão popular, simbólica, que tinha sua razão de ser, mas não era a religião dos grandes sacerdotes. Era a mensagem do Cristo, que é a mesma de sempre. E ele, aliás, deve estar por trás disso tudo, pois Jesus ficou incumbido de dirigir o nosso planeta, desde a criação, conforme nos contam entidades respeitáveis. 

Na sua próxima encarnação o que gostaria de encontrar de diferente neste mundo? 
O amor. Com “A” bem grande. Estamos disputando espaços, gente que só quer ganhar dinheiro, só quer ocupar posições de comando. O poder é uma coisa perigosíssima. Acho provações mais difíceis o poder, a riqueza, a beleza física, a inteligência... Falta o componente da afetividade, do bom relacionamento com o mundo. O planeta está sendo demolido, destruído, isso é a falta de uma visão amorosa das coisas: dos seres e do ambiente em que vivemos. A grande mensagem do Cristo é esta. E Pedro foi muito feliz em dizer que “o Amor cobre uma multidão de pedaços”. 

Como você vê os caminhos do Espiritismo hoje? 
Acho que ele corre dois riscos: o de ser deturpado e o de ficar engessado. Acho um pouco exagerada a fixação dos divulgadores espíritas de conversarem apenas entre si. Os grandes filósofos do passado foram grandes comunicadores, falavam para todos e todos entendiam. Com todo respeito, se você pega o livro de um filósofo contemporâneo, não dá para entender nada; parece que escrevem uns para os outros! Acho que essa espécie de síndrome prevalece em alguns setores espíritas. Não precisa se preocupar com a doutrina espírita, se ela falhar agora – e por nossa causa – ela volta depois. Um Espírito disse a Kardec que o Espiritismo será “com os homens, sem os homens ou a despeito dos homens”. Mesmo que o rejeitemos ele vai renascer em outro lugar. Não é o movimento espírita são os conceitos fundamentais do Espiritismo que vem de milhares de anos.

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