sexta-feira, 28 de abril de 2017

Comportamento Espírita: Responsabilidade e Mudança

Por Miréia Carvalho, SEEB


Responsabilidade e Mudança. Esta é a chave da questão. Todo trabalho que envolve estas duas coisas, separa o discurso da prática no Espiritismo. Temos um discurso de liberdade, mas não temos autonomia. Como dizia Abel Mendonça: "da palavra à ação e do ensino ao exemplo tem uma distância grande". Por que? 

Falamos muito na necessidade pessoal de liberdade e de independência, mas quando esse poder nos é dado ficamos congelados de medo e às vezes preferimos manter-nos vítimas das situações. Mudar implica assumir a responsabilidade das nossas vidas e reescrever a nossa história no papel da personagem principal. No entanto, é mais fácil continuarmos frágeis, vítimas e indefesas para não mudarmos.

Vianna de Carvalho nos fala que "quando o Espiritismo penetra na mente e no sentimento do ser humano, opera-se-lhe uma natural transformação intelecto-moral para melhor, propondo-lhe radical alteração no comportamento que enseja a conquista de metas elevadas e libertadoras". 

Parece estar faltando estudo para esclarecer as mentes que desejam ser Espíritas, ou, somos eternos distraídos, talvez irresponsáveis?

Quando o Espiritismo encontra guarida no indivíduo, logo se lhe despertam os conceitos de responsabilidade, coragem à mudança e fidelidade à nova conquista – ser Espírita. Logo, me parece que faltam os três – estudo, atenção aos princípios básicos da doutrina espírita e fidelidades aos seus princípios.

Diante disto, Viana de Carvalho afirma que "muitos adeptos da doutrina espírita, que permanecem na irresponsabilidade do comportamento e na falta de coragem de mudar, arrostam as consequências da sua conversão ao Espiritismo, demorando-se na dubiedade, nas incertezas que procuram não esclarecer, receando os impositivos da fidelidade pessoal à doutrina, instalando-se as justificativas infantis para prosseguirem sem alteração, esperando que os Espíritos realizem as tarefas que lhes dizem respeito".

Desta forma, evite justificativas infantis após os insucessos, levantando-se dos erros e recomece as atividades tantas vezes quanto for necessário. Tenha a coragem para o auto enfrentamento, libertando-se dos inimigos de fora para vencer àqueles de natureza íntima, sempre disposto a servir e a amar. 

Amigo, tenha responsabilidade na conduta, coragem para mudar e fidelidade aos princípios espiritistas.

Sem qualquer dúvida, a adesão ao Espiritismo impõe à consciência responsabilidade e mudança no pensar, sentir e agir, para transformar-se, verdadeiramente, em um Espírita.

terça-feira, 25 de abril de 2017

Ser Espirita é difícil?


Por Miréia Carvalho, SEEB


Ser Espirita é difícil?

Parece que sim.

Quando estamos sofrendo buscamos pessoas, lugares, religiões para nos amparar – temos muito medo. O espiritismo por ser esclarecedor e consolador, é um lugar ótimo, até que nos deparamos com o trabalho, a mudança e as responsabilidades.

Quando voltamos à normalidade, dos momentos sem dores, esquecemos pessoas, lugares e a religião que nos fez tão bem. O discurso proferido é o de que nós somos responsáveis por nós mesmos e ninguém poderá nos fazer feliz. Que dilema...

O tempo todo estamos driblando a nós mesmos. Quer tal reconhecermos que a razão de nossas vidas somos nós mesmos, e que não poderemos viver sozinhos e sem uma religiosidade?

Leon Dénis nos fala que "Deus em sua infinita misericórdia corrige o transgressor de suas Leis através dos sofrimentos necessários e ao mesmo tempo permite a renovação, dando oportunidade de realizar o bem, às vezes sem o saber, resultando em benefícios para si próprios e para a sociedade. Então o sofrimento é real. Não podemos fugir dele, faz parte da Lei do Progresso". Você concorda?

O problema é que somos imediatistas e queremos resultados rápidos, felicidade rápida, saúde perfeita e eterna sem esforços, sem nos vermos, sem nos responsabilizarmos, sem interagirmos com pessoas, sejam fáceis ou difíceis.

Uma forma de fugir da responsabilidade do trabalho é buscar se comparar com o problema dos outros e pensar: "Ah, não é só eu, o outro também tem problemas..." Filhos problemáticos, doença em família, problema de dinheiro, casamentos infelizes e aí... estaciona. Abandona o trabalho espírita, em busca de ilusões.

Hoje somos Espíritos intelectuais, mas com grande dificuldade de construirmos padrões morais em nossas vidas pelos hábitos e vícios de vidas pregressas. Daí o problema da não felicidade. Porque o conceito de não felicidade está subordinado a satisfação de nossos desejos como nos fala Simonetti: "A felicidade não está subordinada à satisfação dos nossos desejos diante da vida e, sim, ao desejo de entender o que a vida espera de nós." Tudo na vida é resultado de exercício, de mudança na forma de pensar e agir.

Portanto, podemos ser felizes, porém a felicidade e a harmonia que buscamos, seja com a natureza, com os animais, com a família, ou na religião abraçada, consiste em fazer os outros felizes – ALTRUÍSMO –, e não em querer que os outros nos façam felizes – EGOÍSMO. Além de negligenciarmos a máxima do comportamento crístico: "Só faça aos outros o que gostaríeis que fosse feito a você".

Por isso é tão difícil ser Espírita. Vivenciar está doutrina com amor, humildade e perseverança.

Como dizia Kardec: "Trabalho, Solidariedade e Tolerância".

quarta-feira, 19 de abril de 2017

Adentrando o Reino dos Céus


Por Tiago Navarro 
“Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no Reino dos Céus.” [i];
 “Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! Entrará no Reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos Céus.” [ii];
“Disse, então, Jesus aos seus discípulos: Em verdade vos digo que é difícil entrar um rico no Reino dos Céus. E outra vez vos digo que é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no Reino de Deus.” [iii];
 “Mas ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que fechais aos homens o Reino dos Céus; e nem vós entrais, nem deixais entrar aos que estão entrando.” [iv]

Quando nos deparamos com essas falas de Jesus, no primeiro momento, nos causa um certo estranhamento, pois, a entrada no Reino dos Céus, se desenha como sendo em um determinado local, de dimensões geográficas. Entrar no Reino dos Céus, nesta ótica, tem a mesma imagem de se entrar num reino da idade média – precisa-se ultrapassar o pórtico, e ter a permissão do senhor para adentrar aquele local protegido do tumulto externo e de todas as mazelas e violências.

Sabemos que jesus estava a trazer um ensinamento espiritual, e neste contexto, ele se valia de valores e conceitos materiais, de conhecimento amplo da população, para inserir os novos ensinamentos, sem ferir e derrogar as “leis” já estabelecidas na sociedade. Este é o fato do porquê, no primeiro contato com essas palavras, sejamos induzidos a acreditar, que ele falava de um Reino dos Céus geográfico. Para melhor compreender o Reino dos Céus, preciso é, não mais “ver” os ensinamentos do mestre, com os “olhos” da matéria. Naquele tempo, Jesus avisou-nos que mais tarde viria o Espirito da Verdade, “Se me amais, guardai os meus mandamentos. E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, para que fique convosco para sempre; O Espírito de verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê nem o conhece; mas vós o conheceis, porque habita convosco, e estará em vós”.[v]

No Livro dos Espíritos, mas especificamente nos Capítulos 3 e 4, encontramos respostas acerca do retorno da vida corpórea a vida espiritual e da pluralidade das existências, possibilitando a compreensão do sentido da “entrada no Reino dos Céus”. Como a vida no plano espiritual (ou em quais reinos habitaremos) será determinada pelas nossas ações na vida física, devemos nos empenhar em adquirir credenciais morais para termos acessos a reinos menos ligados aos costumes terrenos.

Jesus em vários momentos utilizou a imagem do grão de uma semente para iniciar a fala da entrada no Reino dos Céus.
“E falou-lhe de muitas coisas por parábolas, dizendo: Eis que o semeador saiu a semear. E, quando semeava, uma parte da semente caiu ao pé do caminho, e vieram as aves e comeram-na; e outra parte caiu em pedregais, onde não havia terra bastante, e logo nasceu, porque não tinha terra funda. Mas, vindo o sol, queimou-se e secou-se, porque não tinha raiz. E outra caiu entre espinhos, e os espinhos cresceram e sufocaram-na. E outra caiu em boa terra e deu fruto: um, a cem, outro, a sessenta, e outro, a trinta. Quem tem ouvidos para ouvir, que ouça.” [vi];
“Propôs-lhes outra parábola, dizendo: O Reino dos Céus é semelhante ao homem que semeia boa semente no seu campo; mas, dormindo os homens, veio o seu inimigo, e semeou o joio no meio do trigo, e retirou-se. E, quando a erva cresceu e frutificou, apareceu também o joio. E os servos do pai de família, indo ter com ele, disseram-lhe: Senhor, não semeaste tu no teu campo, boa semente? Por que tem, então, joio? E ele lhes disse: Um inimigo é quem fez isso. E os servos lhe disseram: Queres, pois, que vamos arrancá-lo? Porém ele lhes disse: Não; para que, ao colher o joio, não arranqueis também o trigo com ele. Deixai crescer ambos juntos até à ceifa; e, por ocasião da ceifa, direi aos ceifeiros: colhei primeiro o joio e atai-o em molhos para o queimar; mas o trigo, ajuntai-o no meu celeiro.” [vii];
Outra parábola lhes propôs, dizendo: 
“O Reino dos Céus é semelhante a um grão de mostarda que um homem, pegando dele, semeou no seu campo; o qual é realmente a menor de todas as sementes; mas, crescendo, é a maior das plantas e faz-se uma árvore, de sorte que vêm as aves do céu e se aninham nos seus ramos.” [viii].
A semente, compreendida nestas parábolas, se apresenta em uma vida – limitada e curta – para depois morrer e renascer (em uma nova vestimenta, porém, em igual essência) como uma frondosa árvore, com vida em abundância, vida longa e repleta de possibilidades.

E como Paulo anunciou na primeira carta aos Coríntios, Jesus só ressuscitou por ter dois corpos, o material e o espiritual[ix]. Assim como todos nós, iremos morrer no plano físico, e renascer no plano espiritual ou Reino dos Céus. Mas Jesus também nos aconselhava a irmos despertando nossa consciência para nossa realidade espiritual. Deveríamos nos acostumar com o Reino dos Céus, indo até ele (o plano espiritual) através dele (o Cristo, ou o corpo espiritual) enquanto estivéssemos vivendo no corpo físico, praticando as bem-aventuranças.

As bem-aventuranças, seriam então o caminho do desapego à realidade física e objetiva do reinado da matéria. Indo nesta direção podemos tomar consciência dos nossos dons espirituais (mediunidade, ou os talentos, porções da herança que recebemos em cada nova reencarnação) e perceber que na verdade, a nossa vida de fato é a espiritual, e que a vida corporal é apenas uma etapa inicial de germinação de potências, que se repete a um determinado período de tempo.



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[i] Mateus 5:20
[ii] Mateus 7:21
[iii] Mateus 19:23-24; Marcos 10:24-25; Lucas 24:26
[iv] Mateus 23:13
[v] João 14:15-17
[vi] Mateus 13:39; Marcos 4:3-9; Lucas 8:4-8
[vii] Mateus 13:24-30
[viii] Mateus 13: 31-32; Marcos 4:30-32; Lucas 13:18-19
[ix] 1 Coríntios 15:35-58

quarta-feira, 12 de abril de 2017

Ponto de mutação

Por Tiago Navarro

É chegado o dia da grande queima do Judas. Tradição antiga, que ainda perdura na atualidade. Um ritual grotesco e primitivo, que não enaltece nenhuma qualidade objetiva do ser humano, apenas, o desprezo por si mesmo.

Muitos defensores desse folclore alegam que se faz necessário condenar o traidor. Traição essa cometida há quase 2 milênios. Mas a sua pena se arrasta até hoje. Será que não já está na hora de prescrever essa pena?

No Antigo Testamento havia uma punição dessa monta: Porque sete vezes Caim será castigado; mas Lameque[i] setenta vezes sete[ii]-[iii]; onde as pessoas que não seguiam as normais sociais, praticavam atos ou atitudes dissonantes das normas vigentes eram castigados. Também percebemos punições que se arrastam por gerações seguintes, no caso especifico do pecado original[iv] – seriamos punidos eternamente pela escolha feita por Adão e Eva[v]-[vi]-[vii]. Da mesma forma que fazemos com Judas, essa postura mental já não se comporta ao estágio em que nos encontramos.

É tempo de responsabilizar em vez de punir. Quem se enquadra na condição de ter violado nossos padrões morais precisa ser responsabilizado por suas ações ou atitudes, diferente do que antes era feito, punir um grupo ou sociedade pelo ato/atitude de um.

Judas já foi responsabilizado, já cumpriu sua sentença na "corte ética", e toda e qualquer punição posterior só tem justificativa na projeção inconsciente, temos um desejo enraizado de julgar, condenar e não permitir que o outro se liberte dessa condição.

Certa vez, um compositor retratou o desejo de punição à adúltera do evangelho, e seu refrão se fez célebre, "joga pedra na Gení"[viii]. Na música ela era o "párea social", não tinha nenhuma serventia social digna, todos a usavam para aliviarem as suas necessidades existenciais, porém, quando se viram em apuros, e o código de conduta moral daquela sociedade estava a ruir, Gení surgiu como a santa redentora de todos; mas em sua ética, Gení não se permitiu corromper daquela forma vil, e mais uma vez, ela voltou a ser execrada. Somos convidados diariamente a assumir essa postura dos purificadores da "moral e bons costumes", e punir severamente todo indivíduo que reflita a nossa hipocrisia.

Essa crença de que apenas o outro é "o (a) degenerado (a) filho (a) de Eva", só demonstra que nos enxergamos dessa forma. A nossa sombra "pecadora" se manifesta invariavelmente no convívio com o outro, e isso nos assusta muito, a ponto de querermos eliminar o outro, na busca da aceitação de nós mesmos. Nos odiamos, toda vez que vemos nossa fraqueza refletida no outro. Há muito se foi cantado que "Narciso acha feio o que não é espelho"[ix], uma reflexão válida dessa nossa ânsia em só enxergar o belo que há em nós.

Nesse período de renovação, de celebrar a vida, e o amor, busquemos perdoar os Judas e as Genís que temos em nós, e que carregamos essa culpa a tanto tempo, busquemos não mais trocar o nosso amor por valores materiais como o poder, que não busquemos a redenção de nossas condutas repreensíveis apenas, quando nos for conveniente, e descartar os "páreas sociais" quando estes não nos servir mais.



[i] Lameque é um personagem bíblico do Antigo Testamento mencionado no livro de Gênesis como filho de Metusael e um dos descendentes de Caim da quinta geração deste, que teria cometido o segundo homicídio, que seria duplo:

Gênesis 4:23 - “E disse Lameque a suas mulheres Ada e Zilá: Ouvi a minha voz; vós, mulheres de Lameque, escutai as minhas palavras; porque eu matei um homem por me ferir, e um jovem por me pisar “
[ii] Gênesis 4:24;
[iii] Em Mateus 18:21-22, Jesus apresenta o ensinamento que é a antítese a essa passagem:
“Então, Pedro, aproximando-se dele, disse: Senhor, até quantas vezes pecará meu irmão contra mim, e eu lhe perdoarei? Até sete? Jesus lhe disse: Não te digo que até sete, mas até setenta vezes sete. ”;          
[iv] Gênesis 3:11-24;
[v]  Salmos 51;
[vi] Romanos 5:12-21;
[vii] 1 Coríntios 15:22;
[viii] Chico Buarque – Gení e o Zepelim; do álbum “Opera do Malandro”, lançado em 1979;
[ix  Caetano Veloso – Sampa; do álbum “Muito - Dentro da Estrela Azulada”, lançado em 1978.