Por Tiago Navarro
Vendo-o entristecido, Jesus disse: "Como é difícil aos ricos entrar no Reino de Deus! De fato, é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus". (Lucas 18:24,25)
Nos acostumamos a interpretar essa passagem como sendo uma fala direcionada aos detentores de riquezas materiais. Porém, meu convite é para refletirmos acerca das nossas riquezas intelectuais, ou de ordem dos acúmulos daqueles quinhões que não nos fará “mais elevados” após o nosso desencarne, e que somos capazes de agredir aos nossos semelhantes para mantê-las longe de usufrutuários, tais como, opiniões, posições muito rígidas, necessidade de sempre deter a “verdade”, a falsa crença que portarmos privilégios, etc.
A primeira grande riqueza que fazemos questão de acumular, inegavelmente, é o conhecimento. Crescemos com a máxima que diz:
conhecimento é poder. Ainda arrastamos para a atualidade esse comportamento que outrora levou à extinção diversas nações, talvez acreditando que dessa vez será diferente, justamente por conhecermos o passado, desfrutarmos da possibilidade de interpretar dados históricos, sistematizados e acumulados, facultando previsões seguras e acertadas do que devemos evitar. Mas será que conseguimos realmente usufruir dessa “benção”?
Nesse introito, a humanidade, na sua busca de melhor compreender o mundo à sua volta e da sua relação com essa realidade subjetiva/objetiva, se esmerou em investigar a natureza, as relações sociais, e o universo. Tanto na antiguidade como na atualidade, contamos com o esforço de pessoas dedicadas a interpretar dados e produzir informações padronizadas e replicáveis a outros investigadores, a qual denominamos – esta prática –
Ciência. Da palavra latina
scientia – traduzida correntemente por "conhecimento" – definimos então ciência como qualquer sistematização de conhecimento ou prática. Em sentido estrito, ciência refere-se ao sistema de adquirir conhecimento baseado no método científico, bem como ao corpo organizado de conhecimento conseguido através de tais pesquisas. Tomando essa definição, podemos perceber que quem busca compreender algo é um cientista, e este, então, é um elemento essencial à ciência e, como qualquer ser humano dotado de um cérebro imaginativo que implica sentimentos e emoções, certamente também pode ter suas crenças – convicções que vão além da realidade tangível – podendo esse até mesmo ser, não raramente ou obstante, um teísta ou religioso convicto.
Após breve momento de divagação, retornamos a uma frase bastante comum no movimento espirita:
“devemos evitar o cientificismo nas casas espiritas”. Qual a preocupação de quem nos lega esse conselho? Um dos caminhos que podem levar a essa resposta, está no fato de sempre considerarmos as mitologias dos demais povos como sendo apenas fatos fictícios, dos quais não podemos validar a sua concretude – e apenas os nossos mitos são verdadeiros e legítimos, ou, em muitos casos, adotamos o sentimento íntimo de julgamento, no qual, tratamos os diversos ramos das ciências formais e empíricas como sendo de menor importância e relevância para a nossa busca de conhecimento e compreensão. Devemos, portanto, admitir que temos uma necessidade natural de tentar entender de onde viemos, quem somos, e principalmente, quem é ou o que é Deus.
Nesse desejo de buscar uma explicação plausível sobre Deus, a humanidade vem de longínquas eras e de inúmeras formas, construindo metodologias aceitas como seguras (para aqueles que as desenvolveram), capazes de constatar ou negar sua existência a partir de referências que estão ao seu alcance. Em nossa visão mais limitada (naquele primeiro momento de nossa individuação, em nosso processo de humanização), tomamos como válida a compreensão de que as forças da natureza são manifestações – tal qual as manifestações espiríticas – de vários deuses, que expressam seus descontentamentos através dos fenômenos naturais. Logo em seguida, com um pouco mais de, talvez, uma “boa vontade”, adotamos a visão de um Deus antropomorfizado e damos a ele características humanas – sentimentos, comportamentos e atitudes – e ao fazermos isso, passamos a acreditar que assim, estamos prontos para encerrar a nossa compreensão, e passamos a aceitar que ele, Deus, é falho. O grande problema de tentar entender Deus sobre essa ótica, se reside no fato de confundir "Justiça" com "Ser Justo"; confundindo adjetivo com substantivo, e isso nos provoca uma grande confusão.
No livro dos Espíritos, Kardec atribuiu à Deus o primeiro capítulo. Ele precisou de apenas 4 tópicos e 16 perguntas para fundamentar toda a doutrina que estava sendo codificada através dos conhecimentos apresentados pelo mundo espiritual; e que foi utilizado por um processo dialético com os capítulos seguintes, servindo para demonstrar todos os efeitos dessa causa primeira. Por isso, vamos nos deter um instante na primeira pergunta/resposta do livro:
“Que é Deus? Deus é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas”.
Dessa maneira, compreendemos que essa busca incessante de acumulo de conhecimento só nos leva ao nutrimento do orgulho nosso de cada dia; como dizia Paulo Freire: “A teoria sem a prática vira 'verbalismo', assim como a prática sem teoria, vira ativismo. No entanto, quando se une a prática com a teoria tem-se a práxis, a ação criadora e modificadora da realidade". Nós, enquanto espiritas, conhecedores de uma doutrina que tem como base, seu tríplice aspecto – ciência, filosofia e religião – devemos ter muito claro que essa tríade se estabelece no princípio de, serem elas, a sistematização de conhecimentos ou práticas; e que levam o ser imortal ao entendimento de si mesmo, de onde veio – de uma causa primeira; que não importa se essa causa primeira é a sua alma, ou se essa alma é consequência de uma causa primeira. Pois, o que realmente importa, é o entendimento de que somos consequências de inúmeras causas – sucessivas em seu todo – que a cada segundo iniciamos uma causa que gerará um efeito; que em todas as nossas relações vivenciaremos este mesmo processo, não importando as micro ou macro interações; que não precisamos determinar as grandezas das entidades que circundam e orbitam em nossas vidas, e que o conhecimento que acumulamos nos possibilita o “enxergar” livre de preconceitos e ignorâncias, pois, as vezes, desejamos não ver o que está a nossa volta, ignoramos em nível inconsciente tudo aquilo que nos causa estranheza, medo, dor e desconforto.
A partir desta tomada de consciência, devemos não nos esquecer da mensagem do Espírito de Verdade, em O Evangelho Segundo o Espiritismo, no capitulo 6, item 5: “Espíritas! Amai-vos, eis o primeiro ensinamento. Instruí-vos, eis o segundo.”