terça-feira, 5 de julho de 2011

A REENCARNAÇÃO EXISTE?

"Você acredita em reencarnação, Rolinho?" 
"Sim, mas no meu caso isso se chama reciclagem"

“Quero que você prove que reencarnação existe”, desafiou um jornalista ao Dalai Lama durante encontro sobre ciência e religião realizado nos Estados Unidos. Habituado a provocações do gênero, o líder espiritual do budismo não perdeu o bom humor: “Farei isso depois que você provar que reencarnação não existe”. Certo, esta é a melhor maneira de colocar as coisas, e o lama tibetano sabe disso perfeitamente. Não há provas conclusivas a favor nem contra a reencarnação – é preciso deixar isso claro desde já. A hipótese ainda pertence ao domínio da fé, e só pode ser defendida em termos de crença religiosa. Mas, como veremos, em tempos em que a notícia da criação da simpática Dolly – primeira ovelha clonada – já virou carne-de-vaca para a mídia, mais e mais as coisas do domínio da fé se confundem com as descobertas da ciência moderna.

Por Luis Pellegrini

Diretor de Redação da revista Planeta, jornalista, escritor, tradutor, autor dos livros “Os pés alados de Mercúrio” e “A Árvore do Tempo”, ambos da Axis Mundi Editora, e “Madame Blavatsky”, da Editora T. A. Queiroz.



No departamento de reencarnação:
"Você vai reencarnar como uma linda flor-de-maio.
Tenha um bom dia!"
Os nossos são tempos de grandes revoluções, inclusive ao que se sabe a da tríade básica da vida humana: o nascimento, o sexo e a morte. A revolução científica e tecnológica devassou os fenômenos da concepção, da gravidez e do nascimento, produzindo revelações até pouco tempo impensáveis. Tecnologias de parto sem dor e cesarianas reduziram a um número mínimo as perdas de mães e de filhos nos partos; ultrassonorografias permitem saber o sexo e o estado geral da criança ainda no ventre materno; bebês de proveta enchem as creches; e ovelhas clonadas são animais muito, muito próximos do ser humano.

No campo sexual, a revolução psicológica iniciada por Sigmund Freud amenizou extraordinariamente os preconceitos e a repressão impostos sobre a sexualidade. Amor, sexo e reprodução são hoje temas corriqueiros nos bancos escolares, e há propaganda sobre os usos e virtudes da camisinha até nos pára-brisas de automóveis. Até o papa Bento 16 resolveu afrouxar o torniquete e já aceita que prostitutas usem camisinha no desempenho de sua profissão.

Da mesma forma, a morte e as grandes perguntas que dela se originam – Há vida antes e depois da vida? A reencarnação é uma realidade? São verdadeiras as memórias de vidas passadas? Fatos de uma vida passada podem influenciar a vida presente? – não ficaram de lado nessa corrida frenética da ciência para desvelar os grandes mistérios da nossa existência.

No passado, a ciência ocidental rechaçou sistematicamente a idéia da sobrevivência após a morte, alegando que estava fundamentada na ilusão e na superstição. Essa afirmação não era o resultado de um estudo sério do tema. Ciências como a medicina e a psiquiatria evitavam discutir a possibilidade de existência de consciência depois da morte simplesmente porque o conceito era incompatível com as teorias científicas existentes.

Os tempos mudaram, e nenhuma pergunta é tabu para a mentalidade científica atual. Nem mesmo as que se referem à reencarnação, idéia firmemente arraigada em muitos sistemas religiosos e esotéricos – budismo e hinduísmo na linha de frente.

A doutrina da reencarnação repousa na crença de que todo indivíduo possui um elemento, independente de seu ser físico, que, após sua morte, pode renascer num outro corpo. Embora esta idéia tenha-se desenvolvido sobretudo nas religiões orientais, ela é encontrada no mundo inteiro em diversas épocas, e, nos dias de hoje, suscita um crescente interesse nas modernas sociedades ocidentais. Para muitos, a teoria reencarnacionista é mais atraente do que a opinião ortodoxa dos cristãos, segundo os quais a alma, após a morte, vai para o céu, o inferno ou o purgatório. Se a doutrina cristã é exata, o ser humano tem apenas uma vida para decidir a sorte de sua alma. Mas a hipótese da reencarnação postula que as vidas de uma pessoa são como os degraus de uma escada; cada vez que renasce, ela sobe ou desce, em função da maneira como se conduziu na existência anterior.

Um dos atrativos dessa teoria é que ela explica a existência do sofrimento e da aparente desonestidade da sorte, que a alguns proporciona vidas felizes, e a outros, só dor e tristezas.

A idéia da reencarnação ocupa uma posição particularmente importante no hinduísmo. Os antigos livros sagrados hindus conhecidos pelo nome de Upanishades dizem que, se a alma entra no paraíso ou no inferno após a morte, é apenas para uma permanência temporária, antes de regressar à terra. O hinduísmo desenvolveu, em ligação com a idéia de reencarnação, a doutrina do carma, segundo a qual uma pessoa vem ao mundo com um balanço de ativo e passivo proveniente de suas vidas anteriores. O Bhagavad Gita, provavelmente o mais conhecido dos textos religiosos indianos, também afirma a doutrina da reencarnação: “O corpo se despoja das vestimentas usadas; o habitante se despoja, no corpo, dos corpos usados; corpos novos serão vestidos pelo habitante, como se fossem roupas.”

O budismo não fica atrás. Entre outras noções herdadas do hinduísmo, o budismo assimilou a teoria da reencarnação bem como a teoria do carma. O Bardo Thodol, o Livro Tibetano dos Mortos, texto sagrado budista, conta como, após a morte, “a consciência, não tendo nenhum objeto sobre o qual repousar, será levada pelo vento, procurando o cavalo do sopro. Quase nesse instante, o vento violento do carma, terrível e difícil de suportar, a empurrará para a frente, para trás, com horríveis rajadas. Depois de certo tempo, aparecerá o pensamento: Ah, o que não daria para possuir um corpo!” É exatamente a força premente desse desejo que, segundo os budistas, impele a alma para se agregar a um novo corpo físico, no momento da concepção deste.

No Ocidente, embora encontrando maior dificuldade para encontrar seu caminho, a doutrina da reencarnação já aparece em Platão e em muitos escritos herméticos greco-egípcios do período precedente.

Os primeiros padres da Igreja cristã foram influenciados por esses escritos, e muitos deles admitiram a reencarnação. Orígenes, um dos mais influentes pais da Igreja, ensinava uma espécie de teoria da reencarnação. Afirmava que as almas haviam existido em mundos anteriores, e que elas renasceriam nos mundos futuros. Essas lições de Orígenes foram mais tarde condenadas pela Igreja, e o Segundo Concílio de Constantinopla, em 533, tachou de anátema sua teoria da reencarnação. Mas ela sobreviveu nos diversos movimentos gnósticos cristãos que se desenvolveram clandestinamente na Idade Média, e que, de tempos em tempos, desafiavam abertamente a autoridade da Igreja. Os cátaros albigenses são um exemplo. Eles ensinavam a reencarnação, e conheceram um período de glória no Sul da França, antes de serem vítimas de uma brutal repressão instigada pela Igreja. Depois que foram arrasados no século 13, a doutrina da reencarnação tornou-se uma heresia.

Durante séculos essa teoria teve apenas um papel menor no pensamento ocidental, embora muitos pensadores independentes a tenham seguido. Podemos encontrar traços dela em textos alquímicos, cabalistas, rosacruzes e de outras escolas esotéricas do Renascimento. Mas, nos séculos 18 e 19, os pensadores interessados nessa idéia se multiplicaram. A grande vaga de entusiasmo pelo pensamento oriental e místico que eclodiu no Ocidente no final do século 19 reforçou ainda mais o interesse pela reencarnação e, hoje, essa idéia é familiar a pessoas das mais diversas tendências religiosas. A teoria exerceu sempre uma grande atração sobre escritores, filósofos e poetas, como Schopenhauer, Goethe, Heine, Thoreau, para citar alguns.

Uma das dificuldades para se obter provas concretas da reencarnação é que pouquíssimos indivíduos são capazes, em circunstâncias normais, de se lembrar de suas vidas anteriores. Esta ausência de memória é compreensível, pois, se a reencarnação existe realmente, é evidente que uma vida cheia de lembranças anteriores seria um grande problema. Contudo, nas últimas décadas, tenta-se levantar o véu dessa amnésia. O hipnotismo é um dos métodos utilizados, e já permitiu que se trouxesse à luz testemunhos surpreendentes. Houve, por exemplo, o fenômeno Edgar Cayce, médium norte-americano da primeira metade do século vinte que, em estado de transe, podia não apenas diagnosticar doenças e prescrever tratamentos corretos, mas igualmente contar o que, aparentemente, fora uma vida anterior da pessoa. Certa vez ele disse a um homem que este pertencera à armada sulista durante a Guerra de Secessão; deu-lhe inclusive seu nome e endereço anterior. Verificou-se mais tarde nos arquivos e constatou-se que efetivamente existira um homem com aquele nome e características, o qual se engajara nas tropas do general Lee em 1862.

Mais recentemente, as revelações de Morey Bernstein em seu livro À procura de Bridey Murphy fizeram sensação. Bernstein, homem de negócios do Colorado, hipnotizador e interessado pelo tema da reencarnação, apesar de seu ceticismo inicial, organizou experiências de regressão hipnótica onde fazia a pessoa hipnotizada regressar no tempo. Seu principal sujeito foi uma jovem arrumadeira do Colorado, que ele designou pelo nome de Ruth Simmons. Sob hipnose, ela começou a falar de sua vida como sendo a de uma mulher de nome Bridey Murphy, que vivera na Irlanda na primeira metade do século 19. Ela se exprimia no dialeto irlandês e forneceu detalhes sobre nomes de lugares desconhecidos e termos irlandeses, dos quais muitos foram controlados e confirmados em seguida.

Mais e mais casos como esses foram detectados e analisados por especialistas, e começaram a chamar a atenção de cientistas de diferentes áreas. Em 1966, Ian Stevenson, do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Virgínia, apresenta para a Sociedade Americana para a Pesquisa Psíquica um trabalho de sua autoria que produziu comoção nos meios científicos. O trabalho foi transformado em livro volumoso, com o nome de Vinte casos sugestivos de reencarnação. O livro, bestseller em vários países, contem inclusive dois casos brasileiros, acontecidos no Rio Grande do Sul, envolvendo pessoas da família de Francisco V. Lorenz, um professor gaúcho. Alguns dos casos narrados são impressionantes, como o de uma garotinha indiana, de nome Swarnalata, que, ainda pequena, demonstrou ser capaz de falar um dialeto completamente distinto da sua língua natal. Sabia cantar e dizer poesias antigas nessa língua, e lembrava-se não apenas de detalhes de uma sua vida anterior, quando fora uma mulher de nome Biya, moradora na cidade de Katni, na província de Madhya Pradesh, mas também seu endereço e os nomes e características de vários amigos e parentes. Ante a insistência de Swarnalata para voltar àquele lugar, a família acabou concordando. Para espanto geral, quando lá chegaram puderam confirmar que Biya realmente existira. Alguns dos seus parentes e amigos ainda viviam, e foram reconhecidos por Swarnalata.

Investigadores pioneiros como Ian Stevenson fizeram escola. Muitos outros cientistas, principalmente médicos e psicoterapeutas decidiram arregaçar as mangas e estudar com seriedade a hipótese da reencarnação. Como resultado apareceram centenas de livros sobre o tema, muitos deles já publicados no Brasil. As evidências encontradas ainda não provaram definitivamente que reencarnação existe, mas permitem acreditar que sua possibilidade é muito real.

Baseados nessa possibilidade, psicólogos muniram-se de coragem e desenvolveram inclusive uma nova modalidade terapêutica denominada Terapia de Vidas Passadas (TVP), hoje com milhares de adeptos em todo o mundo. A TVP postula que muitos problemas psicológicos têm sua origem em traumas sofridos em encarnações anteriores. Através de várias técnicas, entre elas a hipnose e a indução a estados de transe, tenta-se despertar a memória do indivíduo para que ele traga à tona esses conteúdos profundos do passado capazes de explicar e curar situações do presente.

Um desses psicólogos é o inglês Roger J. Woolger, que veio ao Brasil em maio de 96 para expor suas idéias na 15a. Conferência Transpessoal Internacional, realizada em Manaus. Woolger afirmou na capital amazonense que estamos às vésperas de uma reavaliação radical da personalidade humana, na qual uma psicologia renovada, integrada a outras ciências, poderá abranger novamente o componente imortal humano que chamamos de alma. Nesse sentido, ele considera a TVP como um dos instrumentos mais potentes e concentrados à disposição da psicoterapia.

“Woolger substituiu o nome da técnica psicológica de regressão a vidas passadas para Dramas da Alma”, disse a psicoterapeuta paulista Márcia Limongi, estudiosa da TVP. “O que faz sentido, pois existem dramas da alma que diariamente influenciam todo o nosso campo emocional, os papéis que desempenhamos e a forma como atuamos na vida. Apesar de a alma primeiramente fixar esses dramas nos traumas da infância, ela já os tinha ensaiado no útero e os tinha escrito há muito tempo, desde quando passou a armazenar uma carga ancestral de melodramas que todos nós carregamos até hoje”.

Alguns exemplos de dramas da alma que podem ter sua origem em fatos vividos em vidas anteriores? Márcia Limongi faz um elenco:

Sentimentos de abandono e solidão: relacionados a recordações de vidas passadas nas quais sofremos abandono na infância, separação durante uma crise ou guerra, orfandade, venda como escravo, etc.

Fobias e medos irracionais: todo tipo de trauma sofrido numa vida passada – mortes traumáticas causadas pelo fogo, pela água, por sufocamento, desastres, etc.

Culpa e complexos de mártir: lembrança de matar diretamente entes queridos na vida anterior ou de sentir-se responsável pela morte de outros, etc. Pensa sempre: “A culpas é toda minha, mereço isso”.

Acidentes, violência, brutalidade física: lembranças de antigas batalhas enquanto guerreiros; busca não-realizada de poder; amor pela aventura cerceado; etc. Dramas comuns na adolescência, quando muitos soldados de antigamente encontravam a morte em combate.

Dificuldades matrimoniais: derivam de vidas passadas em que o mesmo par se encontrava em condições diferentes de poder, classe social ou sexo (às vezes papéis sexuais invertidos), etc.

Indisposições físicas crônicas: repetições de mortes ou ferimentos traumáticos na cabeça, membros, costas, etc., em vidas passadas. A terapia em geral alivia a dor crônica nessas regiões.

A grande questão é saber se as imagens descritas pelos pacientes nas sessões de regressão são mesmo memórias de vidas passadas ou meros frutos da imaginação. Para os terapeutas dessa linha isso não importa. O importante é serem reais para o cliente. Como diz ainda Márcia Limongi, “a TVP não busca provas contundentes de vidas passadas como é exigido no trabalho dos parapsicólogos; a terapia visa principalmente ajudar o cliente a melhorar, e não a provar uma teoria ou propagar uma doutrina. Nossos clientes sabem que o fato de acreditarem ou não na reencarnação não influencia a eficácia da terapia de vidas passadas. Por outro lado, há um fator central em quase todas as escolas de psicoterapia: o poder curativo da mente inconsciente. Assim, a imaginação se constitui numa ferramenta mestra nesse trabalho, pois é através das imagens que a psique se expressa e traduz os sintomas do que a pessoa precisa trabalhar – uma forma de o inconsciente falar e abrir as suas portas”.

O QUE HÁ PARA LER:

Muitas Moradas, Gina Cerminara, Ed. Pensamento
Panorama sobre a Reencarnação, Hans Tendam, Ed. Summus
Histórias de Reencarnação, Rosemary E. Guiley, Ed. Pensamento
Investigando Vidas Passadas, Raymond Moody, Ed. Cultrix
O Olho do Centauro, Barbara Hand Clow, Ed. Siciliano
A Regressão a Vidas Passadas como Método de Cura, T. Dethlefsen, Ed. Pensamento

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