quinta-feira, 6 de julho de 2017

Na Solidão

Por Tiago Navarro

Vivemos tempos ditos difíceis, que nos causam estranhamento, e que, nos conduzem ao sentimento de impotência perante essas adversidades. Porém, o que se dá com as pessoas, que passam por momentos de solidão? Como será que elas têm percebido estes momentos?

Algumas pessoas mais sensíveis à dor humana dirão que o tempo atual têm se apresentado como a era da solidão. Cada qual se restringindo à sua ilha, ou ao seu pequeno mundo, onde só há espaço para os merecedores ou os conquistadores mais destemidos. Depois de termos nos ilhados com tanto afinco, agora desejamos algo mais.

E como ter esse algo mais, se a essência de se conectar, de romper-se com as distâncias, e do poder para derrubar os muros do isolamento, foi-se perdido? Bem, para tal, faz-se necessário o conhecimento do ato! Não é fácil, principalmente quando já se perdeu essa emanação.

Como foi dito por Aristóteles[1], o ato é a própria existência de algo, enquanto que a potência é tudo aquilo que um determinado ente pode vir a ser. Se há em nós o desejo de sermos amados, devemos primeiro pensar ou perscrutarmos, e quem sabe, até mesmo, fazermos um esforço para lembrar de que somos dotados do amor, porém, devemos antes de tudo, trabalhar esse amor enquanto potência, para fazê-lo sair do estado de latência para a reverberação, e dessa maneira, sê-la uma atitude intrínseca do nosso ser.

Seguindo pela tradição da Grécia Antiga, podemos pensar sobre o esforço de potencializar o amor, numa visão gradativa, onde teremos de vivenciar os seguintes estágios: Porneia, Eros e Filia. Encontramos uma referência interessante sobre essa gradação com Jean-Yves Leloup[2], onde ele nos diz o seguinte: 
“... a primeira palavra para falar do amor é o termo Porneia que se refere ao amor do bebe por sua mãe – isso quer dizer que ele a come! Ele gosta de seu leite, de seu calor, ou seja, do objeto materno. Para uma criança é magnifico amar desta forma...” Em seguida apresenta o conceito de Eros: “... após a Porneia, existe Eros (...) lembremo-nos de que, entre os gregos, é um deus. E nós transformamos esse deus criança e brincalhão em um ‘velho porco’! É lamentável porque esse deus tinha asas (...) Eros é o amor do inferior em relação ao superior, o amor da beleza, (...), no entanto, pelo Eros, de repente, no abraço íntimo dos corpos, na atração, na pulsão, surge também o amor pelo outro, pela sua beleza, amor que não podemos possuir/ter… que não podemos consumir...” E prossegue com o Philia (Filia): “... Philia, phileo significa ‘eu te amo com amizade’. Já não é o amor do inferior pelo superior, nem o amor daquele que está carente direcionado para aquele que tem (lembremo-nos de que Eros é filho de Pobreza – a carência – e de habilidade). Eros está, ao mesmo tempo, repleto de malícia e repleto de carência. O amor erótico é bastante sutil, muito malicioso, travesso. Trata-se de um traquina... mas, ao mesmo tempo, há carência. Por sua vez, a Philia é amar o outro enquanto outro. Trata-se de um amor de intercâmbio: eu te dou e eu recebo, compartilho o que eu sou e recebo o que tu és. É o amor humano propriamente dito. Raros são os seres humanos que conseguem amar-se dessa forma! “

Dessa maneira, ele nos permite vislumbrar e perceber que, enquanto negarmos a nossa necessidade de aprendizado emocional, desenvolvendo essa potência, continuaremos tendo experiência de amor antropófago – como a Porneia, consumindo todos que desejarem estar conosco, e seremos as “eternas crianças de colo”, desejando primeiro sermos amados para então poder ofertar amor; ou revestiremos com o amor erótico, onde então teremos o desejo de criarmos vínculos, mas como ainda precisamos suprir nossas carências, exigiremos que nos deem segurança para então tomarmos a “condescendente honra” de retribuir a segurança; podemos até acreditar que somos capazes de compartilhar o que somos com os outros, porem como quase sempre adotamos a postura de termos nossas necessidades atendidas para daí atender as necessidades alheias, caímos na ilusão de que já potencializamos o amor ao status de Filia e infelizmente essa postura só nos leva a perceber que estamos ocultando a busca por nossas satisfações com o que há de mais doloroso no ser humano, o egoísmo.

Quando o núcleo da nossa personalidade ou o controle de nossas crenças internas versus os ditames do mundo exterior se adoece, padecemos de egoísmo (ego + ismo, onde – ego: princípio de organização dinâmica, diretor e avaliador que determina as vivências e atos do indivíduo; ismo: designa intoxicação de um agente), e esta enfermidade é sentida em cada relação, cada vinculação, e nos leva a estados cada vez mais febris.

Quando nos machucamos por uma desilusão, ou a uma crítica severa, ou a um escárnio público, ou a uma desdita da vida, nos findamos emocionalmente e animicamente, e esse ressurgimento quase sempre é feito – tomando como alicerce primário – pela nossa própria dor. Sabendo-se que é necessário prover uma fundação em bases solidas e propícias para a edificação, e que a colheita advém após o plantio, é notável percebermos que, escolhemos inconscientemente – no nível não racional – como plano diretor, nos reconstruirmos pela dor; e consequentemente, ao fazermos a fundação ou o plantio de nós mesmos pela dor, naturalmente colheremos os frutos dessa dor. E o fruto dessa dor será a solidão, visto que, qualquer pessoa que se aproximar, provavelmente despertará em nós o medo de sofremos mais uma vez, aquela bendita dor.

Mas há outras formas de se ver no mundo, e uma delas se apresenta sob a forma da caridade. Não aquela caridade mercantil, de doarmos quantias financeiras, ou pagarmos pelo ato caritativo. Estou a me referir do amor em movimento, do doar-se, do agir pelo simples fato de querer agir. Kardec ao tecer seu comentário à questão 886 de O Livro dos Espíritos, diz: “O amor e a caridade são o complemento da lei de justiça, pois amar o próximo é fazer-lhe todo o bem que nos seja possível e que desejaríamos nos fosse feito. Tal o sentido destas palavras de Jesus: Amai-vos uns aos outros como irmãos. A caridade, segundo Jesus, não se restringe à esmola, abrange todas as relações em que nos achamos com os nossos semelhantes, sejam eles nossos inferiores, nossos iguais, ou nossos superiores. (...) O homem verdadeiramente bom, procura elevar, aos seus próprios olhos, aquele que lhe é inferior, diminuindo a distância que os separa. “


Vários fundamentalistas teólogos disseram que fora de suas crenças não há salvação, mas digo-te, que dentro deste amor manifesto há salvação. Você, por você, poderá te salvar deste estado de solidão. Quando perceber que há um mundo fora de ti, repleto de oportunidades, de conexões, de vínculos a serem construídos, e daí então verás o quanto é divino viver.




[1] ARISTÓTELES. Metafísica. São Paulo: Abril S.A. Cultural, 1984.
[2] LELOUP, Jean Yves. Amar... apesar de tudo. Encontro com Marie de Solenne. Campinas, São SP: Versus, 2002.









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