quarta-feira, 12 de julho de 2017

O relato do marido de professora assassinada no centro espírita de Pernambuco

Foto: Rafael Furtado / Folha de Pernambuco
A violência alcança no Brasil números iguais aos de países em guerra. É muito triste para nós brasileiros encarar dados alarmantes com índices de assassinatos altíssimos e, pior, crescentes. Para nós, espíritas, também é muito difícil conviver com essa realidade do nosso país, e, o que aconteceu no último dia 5 de julho, ainda nos comove, e presto toda a solidariedade aos amigos do Grupo Espírita Amor ao Próximo (Geap), de Jaboatão dos Guararapes, em Pernambuco.

Mas a força do educador Sérgio Costa, que viu a sua esposa, Luisiana de Barros Costa, de 57 anos, ser morta durante o tiroteio no Geap, é muito inspiradora. Em seu depoimento ao jornal Folha de Pernambuco, ele mostrou temperança, resignação e, sobretudo, capacidade de perdão.

Vejam o seu relato:

"Ela estava em tratamento espiritual. Esse tratamento espiritual começa às 19h e a palestra às 20h. E toda quarta-feira eu deixava ela 18h30, 18h40 e 20h50 ia buscar. E assim foi quarta-feira. Eu cheguei, o guardador de carros é uma pessoa antiga lá. Os meus meninos eram pequenos e a gente já frequentava, hoje eles tem 26 e 30 anos. O rapaz que vende pipoca também é antigo lá. Por que eu estou citando eles? Porque estava eu, os dois, na entrada conversando na parte coberta, porque estava chovendo. E tinha também um senhor esperando a esposa.
Surgiram quatro homens armados, agressivos, inquietos, colocaram a arma na nossa cabeça e saíram nos levando. "O que é isso aí?", perguntou um deles. "As pessoas estão rezando", eu disse. "Que nada de rezando", respondeu. Eles não sabiam nem o que era. Não sei se passaram oportunamente ou se viram muitos carros. Não sei exatamente o que aconteceu. Mas eles estavam agressivos, empurrando. E eu fui o primeiro, com o revólver na cabeça. E eles já entraram gritando: – é assalto, quem falar eu mato ele. Esse ele, seria eu. A minha esposa lá assistindo tudo, coitada. E ai prosseguiu. o comando lá do espiritismo, os palestrantes, o Liszt Rangel teve muito equilíbrio, conseguiu equilibrar. Mesmo diante de tanto desespero ele conseguiu manter um pouco do equilíbrio. Subiram quatro conosco e depois nós vimos mais três entrando, que deviam estar lá fora dando apoio. Agora se tinha mais infiltrados eu não sei. A certeza que eu tenho é que quando eles chegaram, esses quatro não sabiam o que era ali.
Em um certo momento, um bandido que estava me apontando viu muito celular, muitas carteiras e pediu para um dos assistentes da palestra tirar a camisa para colocar. E nesse momento ele me soltou. Quando ele me soltou, baixou a cabeça, e o de lá também baixou. Foi quando eu vi que alguém da platéia puxou uma arma e atirou no bandido que passou. E aí começou. Não sei dizer o nome dele, mas vi a hora que ele levantou, botou a mão atrás e tirou a arma. Atirou no bandido que passou por ele. O bandido caiu e ele deu vários tiros e foi atingido por um bandido que correu pra lá e atingiu a cabeça dele. Dai pra frente eu não vi mais nada porque fui atrás da minha esposa. 
Não sei a quantidade de tiros, eu sei a quantidade de sangue, que era muito. Comecei a procurar a minha esposa. Ela estava na platéia. Quando encontrei ela já estava morrendo. Deu tempo de chamar meu filho e ela morreu em nossos braços. Meu filho ficou com a roupa ensanguentada, eu também, e ela morreu em nossos braços, mas morreu lutando. Morreu como uma guerreira que ela era. Mas ela morreu em paz, ela estava se despedindo. Toda reunião ela levava um livro pra doar e comprava outro. E o último livro que ela leu parou na página 41, marcou. Morrendo me entregou, e dizia que a morte não existe. Existe a passagem. Que a vida continua. Que a vida sempre é vida.

E nós não vamos culpar ninguém. O policial, ele não teve má intenção. Ele teve a intenção de ajudar. Mas infelizmente o impulso nem sempre é racional. Não vou culpar o policial, até porque ele tem familiares que nesse momento estão chorando por ele. Não vou culpar a polícia, não vou culpar o governo. São as mazelas sociais que existem em todo universo terrestre. Cabe a nós, que ficamos, cuidar para melhorar e para fazermos o bem. 
O que fica é a saudade, a falta. Mas minha esposa era uma pessoa evoluída. Todo espírito evoluído quando encarna ele encarna em silêncio. Quando ele desencarna, ele cria um barulho. E ela foi manchete nacional. Ela era um espirito evoluído. A minha esposa era fantástica. Foram 39 anos de companheirismo e ela cuidou de mim a vida toda. E eu me preparei a vida toda para deixá-la bem e não para ela me deixar. Mas ninguém é Deus. Ele é único, onipotente. Mãe fantástica, educou dois filhos. Fantástica, não tem outra palavra.

Não vamos deixar de frequentar o centro. Tenho um filho que é evangélico e tenho outro que é espirita conosco. Nós frequentamos a igreja evangélica, a igreja católica e eu já combinei aqui com meu amigo Frederico Menezes, que é um palestrante que a minha esposa adorava assistir, para ele organizar, lá no Geap, no mesmo local que ela morreu, uma palestra que vai lotar a casa."







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